O CALDEIRÃO POLÍTICO DE VAIDADES E IRRESPONSABILIDADES

Imagem do fatídico jogo em Volta Redonda que mandou o Ferroviário de volta para a Série D

Há cerca de dois meses, um velho filme prometia entrar novamente em cartaz e isso foi prognosticado aqui no blog. Os conhecidos e tortuosos bastidores corais ferveram, como há tempos não se via, e o caldeirão político de vaidades e irresponsabilidades entrou em erupção como um vulcão. Essa semana, depois de quatro anos, o Ferroviário caiu para a Série D. É o primeiro rebaixamento brasileiro do clube na competição da CBF, apesar do descenso nacional sacramentado em 2008 via Estadual, conforme estabelecia o regulamento da época, que arremessou o time coral para jogar a Série D, pela primeira vez, a partir de 2009. Infelizmente, estaremos lá em 2023, novamente. De bate-pronto, é preciso diagnosticar que a gestão de futebol do clube cometeu equívocos durante as últimas temporadas que foram determinantes para a debacle coral em campo, notadamente desde que o presidente Newton Filho alegou ter sido obrigado a assumir as rédeas do setor, no início de 2021. Porém, essa questão é apenas o início da discussão.

Vitória contra o Aparecidense após uma falsa onda de renovação encheu de esperanças o torcedor

No final do ano anterior, um “racha” entre o presidente e seu vice Francisco Neto, coincidentemente o mandatário coral no descenso nacional de 2008, garantiu pelos dois anos subsequentes um festival de incômodos, instabilidade, perda de foco, divisões internas e quase as vias de fato. À frente da gestão de futebol, ladeado pelo investidor Artur Boim, Newton Filho assumiu o controle e foi responsável direto pelo bônus e pelo ônus a partir de suas ações. Escanteado, coube a Francisco Neto espernear e procurar acolhida junto ao presidente do Conselho Deliberativo do clube. Nesse contexto, a fórmula para o rebaixamento estava pronta e envolveu os sucessivos erros nas contratações, além de conspirações e episódios de traições e puxadas de tapete no âmbito político, que levaram à renúncia do primeiro e ao empoderamento do segundo nos últimos 40 dias. Figuras reconhecidamente essenciais no soerguimento do clube desde 2017, ambos saem politicamente desgastados da cisão gerada a partir de suas próprias convicções e atitudes no futebol. E assim o Ferroviário retorna novamente para o tão conhecido fundo do poço.

Jogadores trazidos por um dirigente terminaram a competição dirigidos por terceiros e aventureiros

No meio da competição mais importante da temporada, a forçada e trágica reorganização interna contou até com pessoas inexperientes em funções diretivas, em total contradição à profissionalização exigida pelo próprio Conselho Deliberativo. Ficamos com cara de time amador! Com 7 jogos pela frente e 21 pontos a disputar, o Ferrão mergulhou ladeira abaixo e a tentativa vergonhosamente antecipada de personalização do fracasso junto a um só nome, além da covardia do ato em si, denuncia o caminho da conspiração política verificada nos complicados bastidores corais. Engana-se quem acha que um rebaixamento é obra e arte de uma ou duas pessoas. Uma tragédia no futebol é fruto de um ambiente político apodrecido, composto de pessoas que, gestão após gestão, se perpetuam dentro do clube como autênticos donos de araque, e “remam” conforme os interesses de cada ocasião. Foram sete anos de convivência diária entre a maioria na direção do clube, onde muitos já se conheciam das arquibancadas. Nos últimos tempos, alguns contingencialmente mudaram de opinião e de lado, provando que o ambiente no futebol reúne desde pessoas vaidosas às volúveis e traiçoeiras. Ao apontarem o dedo para o ex-presidente, esquecem que estiveram juntos e amigados, na maior expressão de amor, até muito pouco tempo atrás. Nunca faltam também os tradicionais neófitos da bola, convidados a darem opinião de algo que nunca vivenciaram profissionalmente, e que acabam proliferando rusgas e acusações internas gratuitamente. Dentro de campo, um elenco dividido, de qualidade técnica duvidosa, preocupado com razão com a insegurança de seus salários e premiações após a ruptura política que culminou com a saída do investidor que, por sua vez, bancava financeiramente tudo, quase sempre sozinho, há muito tempo.

O volante Alemão foi um dos poucos que apresentaram eficiência na Série C apesar do rebaixamento

O Ferroviário Atlético Clube quebrou novamente. Quebrou financeiramente e esportivamente, mas também quebrou moralmente, como várias vezes já ocorreu em sua história. A poeira vai baixar em algum momento no futuro e muitos poderão refletir sobre os acontecimentos dos últimos tempos com mais clareza. É preciso enxergar muito além de tudo aquilo que apenas parece ser: o Conselho Deliberativo que toma partido explícito por um lado da cisão não parece ser muito habilidoso, o diretor que jura comprometimento e apunhala pelas costas não parece muito confiável, o levante quase psicopata que pede a cabeça de quem injeta alguns milhões não parece muito inteligente, o trambiqueiro que insiste em fazer jogo duplo não deveria ser bem vindo e o torcedor que se acha dirigente vai parecer sempre um aventureiro. Tudo errado! Faltou paz, luz e discernimento ao ambiente coral. Sobrou vaidade e prepotência, de todos os lados. A queda em campo dos jogadores foi apenas a cereja do bolo, preparado dia após dia pelos que conduzem politicamente o clube. Agora, os diletos irresponsáveis podem se servir do bolo à vontade. O Ferroviário seguirá.

Fotos: Lenilson Santos

REINAUGURAÇÃO DO GRAMADO NA BARRA E A VISÃO DE ELZIR CABRAL

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Ex-presidente Elzir Cabral – o primeiro da direita para esquerda, e sua diretoria observam o nivelamento daquele que seria o primeiro gramado do estádio do Ferrão na Barra do Ceará

No dia em que o Ferroviário reinaugura o novo gramado do Estádio Elzir Cabral, o Almanaque do Ferrão resgata dois materiais históricos que devem simbolizar o esforço e a missão de seus atuais dirigentes. Que o sonho e as palavras do visionário Elzir Cabral, em 1966, se renovem a cada dia e sirvam de estímulo aos responsáveis pelo clube. Cuidar do patrimônio, construído a ferro e fogo por gerações passadas, já é um bom começo. Como preconizava o ex-presidente, o clube pode e deve renovar as esperanças após sérias crises – estas já presentes no passado e tão conhecidas no presente – nada impossível para uma diretoria que deve ser coesa e integrada dos melhores propósitos. Já conseguimos tantas vezes ao longo das décadas, por que não novamente? Leiam.

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Texto do ex-presidente Elzir Cabral publicado no lançamento da Revista Coral no ano de 1966

SOBRE PRATAS DA CASA, TORRE DE BABEL E LIÇÃO DE SOBREVIVÊNCIA

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Em pé: Paulo Tavares,  Nonato Ayres,  Zé Antônio,  Vicente,  César,  Lúcio Sabiá,  Pedrinho, Arimatéia e Eldo; Agachados: Danilo, Oliveira, Chicó, Vanderley, Almir, Lula, Aucélio e Jeová

O Almanaque do Ferrão resgata hoje uma foto de 1975, ano que o Ferroviário viveu grave crise financeira e teve seu nome envolto a situações vexatórias como jogadores passando necessidades, crise política alarmante, oficiais de justiça recolhendo objetos na sede do clube para saldar dívidas trabalhistas, entre outras mazelas. Foi um período complicado que findou com a renúncia coletiva da diretoria presidida pelo então deputado estadual Aquiles Peres Mota. No segundo semestre da temporada, o elenco era formado basicamente por pratas da casa. Nomes como César, Almir, Lúcio Sabiá, a revelação da temporada Aucélio e Danilo Baratinha, mesclados com a experiência de Paulo Tavares, ex-Ceará, do goleiro Pedrinho e Eldo, remanescente do título de 1970.

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Manchete do jornal O Povo sobre a grave situação do Ferroviário Atlético Clube em 1975

Profundamente enraizada na cultura coral, a crise política parecia não ter fim. Torcida revoltada pela venda do zagueiro Cândido ao Fortaleza e Conselho Deliberativo a exigir prestação financeira de contas após renúncia coletiva: o Ferroviário e sua eterna vocação para Torre de Babel. A foto rara de hoje recorda um grupo de jogadores bravos que souberam ultrapassar os momentos de dificuldade e levaram o clube adiante. A chegada de uma nova diretoria para a temporada seguinte marcou o renascimento do Ferrão. Do click acima, Lúcio Sabiá e Arimatéia estavam no título estadual três anos depois. Trilharam o caminho da paciência e entraram para os anais da história em forma de redenção. Mesma história que guarda uma página para o grupo de 1975 acima, hoje homenageado, por trilhar firmemente o caminho da sobrevivência.

MATÉRIA DE TV DE 1997 SOBRE A QUEDA DO PRESIDENTE CLÓVIS DIAS

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Duas décadas de dificuldades na vida coral após a malfadada crise política de dezembro de 1997

Clóvis Dias foi o único presidente bicampeão na história do Ferroviário. Assumiu o clube em 1993 após uma humilhante derrota de 9×1 para o Ceará e, ainda na mesma temporada, levou um time desacreditado à final de um turno. Tendo tempo para trabalhar e reformular o Ferrão por completo, montou um time quase imbatível que conquistou com supremacia os títulos estaduais em 94 e 95. Por muito pouco não foi tricampeão no ano seguinte. Em 97, sua pior colocação nos quase cinco anos de presidência: um 3º lugar na tábua de classificação, atrás apenas de Ceará e Fortaleza. Na reta final daquele ano, um jogo de intrigas, interesses, fofocas, picuinhas e vaidades minaram definitivamente o solo coral e provocaram a queda de Clóvis Dias da presidência de forma traumática, sem sequer permiti-lo democraticamente concorrer à reeleição. Já são duas décadas sem títulos após aquele episódio marcado por muita confusão, boletins de ocorrência em delegacias, adulteração de ata, ações judiciais, liminares e um acordo político que deixou sequelas na vida do clube, elevando o tema ao patamar de um dos maiores tabus da história do Ferroviário até hoje.

O Almanaque do Ferrão resgata logo abaixo uma matéria da TV Jangadeiro explicando o malfadado acordo, que culminou com a saída de 10 jogadores da base coral para que Clóvis compensasse aportes pessoais e investimentos de terceiros, além da chegada de Carlos Alberto Mesquita para um mandato de dois anos na presidência. Não se pode afirmar que o clube manteria sua trajetória de sucesso com uma possível reeleição de Clóvis Dias naquela oportunidade. Talvez sim, talvez não. Conselheiros, por sua vez, alegaram intervir em defesa dos interesses do clube por temerem complicações patrimoniais. O fato é que após aquele lamentável episódio na vida do clube, Clóvis seguiu sua vida no futebol atuando com relativo sucesso como empresário de jogadores, mantendo negócios no Brasil e no exterior, enquanto o Ferroviário saiu do trilho e passou a padecer de momentos dolorosos. Sob nova direção em 98, um honroso vice-campeonato com mais da metade do elenco herdado da gestão anterior. Em 99, um vergonhoso 7º lugar na classificação final com o time lutando contra o rebaixamento em alguns momentos da competição, posição e situação recorrentes no caminho coral em várias temporadas seguintes, o que historicamente qualifica o episódio de dezembro de 1997 como um divisor de águas na caminhada coral, um grave golpe político na trajetória vitoriosa do Ferroviário nos anos 90 com consequências drásticas para o futuro do clube.