UM ACESSO QUE EQUIVALE A UM TÍTULO DEPOIS DE 23 ANOS

Paixão de pai pra filho

Quando a Máquina Coral conquistou com sobras o bicampeonato cearense naquele domingo, 10 de Dezembro de 1995, ninguém em meio aquele período auspicioso poderia imaginar que o Ferroviário levasse tantos anos para voltar a comemorar um título. Na segunda-feira, 09 de Julho de 2018, o clube voltou a sorrir como naquele domingo de 1995. Não que o Ferrão tenha vencido outro campeonato, longe disso, porém, ao mesmo tempo, mais que isso. Vinte e três anos depois, o acesso coral para a Série C do Campeonato Brasileiro equivale exatamente à alegria de um título estadual, até então a maior façanha do Tubarão da Barra, repetida nove vezes em 85 anos de história. Pouco? Talvez. Entretanto, tanto para um clube humilde de origens operárias, que nunca foi o queridinho do mainstream esportivo, que nunca gozou de regalias e cuja paixão, apesar de todas as dificuldades,  se perpetua de pai pra filho como um bem de família que vale mais que qualquer patrimônio físico, pois se alicerça em memórias afetivas e lembranças de amor em nome de muita gente que já não se encontra mais no plano físico para acompanhar o curso da história. Qual o torcedor coral que nunca ouviu carinhosamente de um ente querido que o Ferroviário é a sua cara? É por essas e outras que esse time é eterno. Funciona exatamente assim.

Decisão por pênaltis em Campina Grande

Não, o Ferroviário não foi campeão novamente. Ainda não. Ou talvez nem precise ser em 2018. Não é de títulos que se alimenta um clube como o Ferrão. É de memórias afetivas, lembra? Ontem, veio o acesso, o primeiro da história de um time que já perambulou pelas quatro divisões do futebol brasileiro em meio a sucessos e insucessos naturais a qualquer time de futebol. A sorte e a competência sorriram para o Ferroviário numa noite inesquecível em Campina Grande, assistida em todo país por curiosos, torcedores, ex-jogadores, ex-treinadores e aficionados em geral que insistem em não desistir e manter esse time dentro do coração. Ontem, não foi um campeonato conquistado, foi um acesso que vale mais que um troféu de campeão, um acesso que equivale praticamente a um título depois de 23 anos, principalmente em se tratando do contexto injusto do futebol brasileiro que sufoca centenas de times tradicionais e afeta milhares de atletas e profissionais, os quais a imensa maioria sequer tem de onde tirar o sustento durante oito ou nove meses por ano. O acesso do Ferroviário para a Série C em 2019 é a conquista de um calendário mais duradouro dentro do contexto cruel e perigoso definido pela CBF. Vale por um título. Vale por dezenas de troféus. Ontem foi como se o Ferroviário fosse campeão de novo. E foi, pois no panorama atual, acesso é praticamente título.

Um grupo de atletas que já entrou na história

O sucesso premia um grupo de jogadores que já marcaram época na história do Ferroviário, notadamente pela brilhante campanha na Copa do Brasil em 2018 e agora por colocarem o Ferrão na Série C de 2019. Reforçado por bons jogadores, esse grupo cresceu e foi em busca de um sonho quase impossível, principalmente se levarmos em consideração que, até dezembro de 2016, o clube amargava a humilhante realidade da segunda divisão cearense. Que 2017 não seja nunca esquecido, afinal foi a participação coral no vice-campeonato estadual que nos garantiu a Série D desse ano, conquistada numa emocionante disputa de pênaltis contra o Horizonte. Que aquele gol do Mimi contra o Fortaleza, aos 48 minutos do segundo tempo, também nunca saia de nossas memórias. A Série C de 2018 também veio, por coincidência, numa disputa de pênaltis sofrida e é melhor não discutir com o destino. É assim o nosso livro dos tempos, marcado por contos de dor, angústia e sofrimento, que no final fazem valer a pena torcer por um time totalmente diferente dos que têm a preferência dos noticiários esportivos. É de pai pra filho, lembra? Por fim, é hora de tirar o chapéu para uma diretoria incansável, que acertou em profissionalizar recentemente o departamento de futebol e já colheu o primeiro fruto. A semente plantada por esta diretoria, em meio às críticas pesadas e habituais do ambiente do futebol, vitalizou o clube, o livrou de todas as pendências trabalhistas e judiciais, estruturou fisicamente seu ambiente interno e rejuvenesceu um gigante do futebol nordestino. O trabalho da direção coral lava a alma de todos os dirigentes passados que por lá estiveram nos últimos 23 anos e deram sua parcela de contribuição, um tijolo aqui, outro ali, em meio a erros e acertos, mas que sobretudo mantiveram esse time vivo para hoje poder gozar do primeiro acesso da nossa história. Que esta história eternize os grandes nomes do clube, como os da atual direção, e que o Ferrão possa aproveitar essa oportunidade única em 85 anos de existência porque não é todo time que conquista um acesso nacional. Que a decisão por pênaltis em Campina Grande, evidenciada abaixo, seja eternamente lembrada em nossa memória afetiva e passada de pai pra filho como uma das coisas mais importantes nessa experiência de vida.

DOIS VELHOS AMIGOS DE BREVE PASSAGEM PELA BARRA DO CEARÁ

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Janos Tratay nos anos 70

Janos Tratay nasceu na cidade de Vszprèm, na Hungria, em 1922. As sequelas físicas da II Guerra Mundial o acompanharam por toda vida. Resolveu militar no futebol quando veio para o Brasil. Em 1960, foi técnico do Ceará e passou a ser conhecido na terra de José de Alencar, mas mantinha uma enorme afeição pela Paraíba, estado onde fixara residência. Foi lá que conheceu o atacante Zé Luiz, que brilhava no Campinense/PB. Iniciaram uma amizade fraternal que perdurou até o fim da vida do húngaro. Ambos tiveram seus momentos no Ferroviário e por essa razão destacamos o vídeo acima, gravado em 2007, com o intuito de recordar o nome daqueles que são raramente lembrados, ignorados pelo tempo e pela memória curta dos torcedores. O diálogo acima entre Janos Tratay e Zé Luiz merece ser assistido. Em meio a recordações pessoais de ambos que agradam a qualquer fã de futebol, o nome do Ferroviário sequer é citado, mas há de se registrar que ambos tiveram parcela de colaboração na história coral e merecem destaque no Almanaque do Ferrão.

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Zé Luiz no Ferroviário

Zé Luiz era um atacante de 29 anos quando foi contratado pelo time coral no início de 1970. Fez sua estreia exatamente no primeiro jogo interestadual realizado no Estádio Elzir Cabral, no dia 17 de janeiro, contra o Alecrim/RN. Iniciou o campeonato cearense como titular, mas depois perdeu espaço. Seu nome está com justiça entre os grandes campeões estaduais daquele ano com a camisa coral. Chegou a jogar também na Portuguesa de Desportos/SP. Depois, longe da bola, tornou-se jornalista e político. Como jornalista, teve programas na TV Borborema de Campina Grande e na TV Correio de João Pessoa. Foi vereador de Campina Grande, Deputado Estadual e Deputado Federal pela Paraíba e, de 2005 a 2012, o vice-prefeito da cidade de Campina Grande. Pouca gente sabe que o Ferroviário teve um ex-jogador de carreira política tão ilustre. Por sua vez, Janos Tratay foi contratado na gestão do presidente José Rego Filho, em 1972, como diretor de futebol. Teve uma passagem atribulada com atritos dentro do próprio elenco coral, tendo que apaziguar ânimos de jogadores como Amilton Melo, Luizinho Peito de Aço, Simplício e Marcelino, que andaram se estranhando entre si. Não bastasse o clima hostil entre os jogadores, Tratay andou ainda em rota de colisão com o técnico paranaense Borba Filho, que deixou o clube durante o campeonato cearense. A passagem de Janos Tratay pelo Ferroviário durou somente aquela temporada e ele voltou para a Paraíba, onde continuou trabalhando com destaque até em campeonatos nacionais enquanto teve saúde. Faleceu em 2011, aos 89 anos, na cidade de João Pessoa, vítima de um aneurisma. O vídeo acima foi uma de suas últimas aparições na televisão paraibana e mostra a amizade de dois velhos amigos de breve passagem pela Barra do Ceará.