Sempre que um time é estranhamente derrotado e o seu revés acarreta em prejuízo para um tradicional rival, as más línguas tratam logo de eternizar na história uma pretensa ´abertura`, ´marmelada` ou ´jogo de compadres`. Os exemplos são inúmeros e ninguém jamais esquece. A atitude abominável quase sempre passa como normal em nome da rivalidade. O torcedor do rival lembrará para sempre pois os maus exemplos são eternos. Por outro lado, o oposto é facilmente descartado. O Almanaque do Ferrão recorda hoje um momento único na história do futebol cearense, uma verdadeira lição para os times que mancham suas marcas com combinação de resultados e acordos espúrios. A noite que o Ferroviáiro limpou o nome do nosso futebol!
Vamos a 1988. Ferroviário e Guarany de Sobral deveriam se enfrentar no início de abril, numa quarta-feira à noite, no PV. Uma chuva torrencial impediu a realização da partida, prontamente remarcada para a data livre mais imediata dos preliantes, dia 20 do mesmo mês. Por capricho do destino, terminou como o último jogo que faltava na légua tirana do 1º turno, onde todos os clubes se enfrentaram na base dos pontos corridos. O Guarany precisava da vitória para conquistar o turno e carimbar o passaporte para a final do campeonato, que teria ainda mais dois turnos. O Ferrão, sem chances, se vencesse daria o título daquele turno, de mão beijada, ao Fortaleza. A cidade inteira espalhou a notícia que o time coral facilitaria a vida do time sobralense em nome da rivalidade histórica com o tricolor. O público de 12.100 pagantes naquela noite comprovou a repercussão do fato. A torcida do Fortaleza compareceu em peso para apoiar o Ferroviário. Torcedores do Ceará foram ao jogo para torcer pelo Guarany. Na torcida coral, tinha gente que queria a derrota, entre tantos outros que não aceitavam a propalada abertura, cantada em prosa e verso na mídia cearense.
Treinados por Ramon Ramos, os jogadores corais se encheram de brio e partiram pra cima do Guarany. Venceram por 3×1 e calaram a boca dos inescrupulosos. Da Silva, Denô e Mazinho Loyola marcaram para o Tubarão da Barra, enquanto Cacau descontou para o time sobralense. Foi o jogo 2.221 na história coral, infelizmente esquecido na poeira do tempo e na memória coletiva que só lembra dos maus exemplos. O bom exemplo em questão é uma verdadeira raridade, é verdade. E faz parte da história coral, invariavelmente escrita com muito sofrimento, esforço, mas acima de tudo, honradez. O Ferrão formou com Serginho, Silmar, Arimatéia, Djalma e Marcelo Veiga; Alves, Denô (Carlos Antônio) e Arnaldo; Roberto Carlos (Mazinho Loyola), Da Silva e Beto Andrade. O Guarany, do técnico Teco-Teco, jogou com Silva, Jaime, Valdecy, Ulisses e Marcelino; Alfinete, Quarenta (Jorge) e Cacau; Ivanzinho, Ivan Buiú (Macedo) e Magno.
Cinco meses depois, o Ferrão sagrava-se campeão cearense, depois de nove anos, decidindo o título no último jogo justamente contra o mesmo Fortaleza. Ao vencer por 1×0, gol de Marcelo Veiga, o time coral conquistou o campeonato de forma brilhante. Perguntado se tinha valido a pena correr riscos colocando o tradicional adversário na final, o diretor de futebol Vicente Monteiro não titubeou: “não teria a menor graça se fosse o Guarany de Sobral. Em cima do Fortaleza é muito mais gostoso“. Depois de muito trabalho, conseguimos recuperar o áudio de dois gols daquela noite. Escute abaixo os tentos de Denô, o segundo, e de Mazinho Loyola, o terceiro, na narração de Gomes Farias, pela Rádio Verdes Mares de Fortaleza. São momentos únicos do Ferrão escrevendo de forma limpa as páginas do futebol cearense.
Grande recordação esse postagem. Lembro do fato e ele mereceu aplausos da malfadada imprensa cearense no dia seguinte durante toda programação. Foi uma aula de honradez proporcionada pelos jogadores e pela diretoria do FERRÃO. parabéns por mais esta sensacional memória.
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